Os Rissóis

Clarinha chorava silenciosamente, de pé em cima de um banco de madeira. Sua Mãe, visivelmente transtornada, enchia de farinha com modos bruscos e fazendo muito barulho, uma tigela de barro na banca da cozinha. Havia farinha espalhada por todo lado. E berrava com a filha: “Minha grande burra! Assim nunca mais vais aprender!!”; “Voltas a falhar e vais apanhar, ai vais vais!”;
“Pronto, agora vê lá se fazes outra vez asneira, ouviste?”
E passou a tigela, já cheia de farinha, para as mãos pequeninas da Clarinha.
A água já fervia de novo, Clarinha tinha-lhe juntado uma colher de sopa bem cheia de manteiga e um pouco de sal. Essa parte corria sempre bem, a Mãe não se zangava com ela. O problema era deitar de uma só vez a farinha na água fervente e mexer muito rapidamente para a massa não ficar cheia de grumos… a maior parte das vezes a tigela, pesada e demasiado grande para os seus dedinhos de seis anos, escorregava-lhe das mãos e a farinha ficava toda espalhada em cima do fogão e o tacho entornava… E lá vinha o chorrilho de insultos, ameaças e as bofetadas da Mãe… “Não serves para nada! Nem uma coisa simples como massa para os Rissóis consegues aprender a fazer!”
Quando conseguia acertar na água não conseguia mexer rapidamente, e a massa ficava “Estragada!”, dizia a Mãe!
“Eu disse-te para mexeres rapidamente! Estás a dormir ou quê?” “Inútil, é o que tu és! E já estou farta de te ouvir choramingar, cala-te senão apanhas ainda mais!”
E Clarinha, de pé em cima do banco de madeira, debruçada para conseguir chegar ao fogão, tentava engolir o choro, mas era muito difícil, já lhe doía a garganta e os soluços já não os conseguia controlar. As suas bochechas ardiam, estavam todas vermelhas e sujas de lágrimas e farinha.
Uma nova tentativa de deitar a farinha na água de uma vez só e depois mexer…. Clarinha, trémula, conseguiu despejar a farinha na água mas, com a pressa de agarrar a colher-de-pau para mexer, deixa cair a tigela de barro no fogão que, como se tivesse ganho vida própria, faz ricochete na borda e salta para o meio do chão! E partiu-se… toda! Com um barulhão assustador. Clarinha ficou estarrecida a olhar para os cacos, adivinhando o que estaria para vir… Sentiu os seus irmãos na soleira da porta da cozinha, levantou os olhos para eles e viu-lhes o terror estampado nos seus olhares. E “o que estava ainda para vir” chegou na forma de um sacão que a fez cair do banco. A seguir vieram as bofetadas, unhas cravadas nos seus braços, berros e puxões de cabelos. Clarinha nem se atrevia a chorar alto, por experiência própria sabia que isso só piorava as coisas. Quando tudo terminou, foi mandada para o quarto, sem lanchar e sem ir brincar que “Era para aprenderes!!” “Da próxima vez pode ser que estejas mais atenta ao fazer massa para rissóis!”

E Clarinha, nunca mais na vida gostou de fazer rissóis. Sabia a receita de cor e salteado, mas jamais sequer experimentou fazê-los. Tinha a certeza que iria estragar tudo, como sempre o tinha feito…

Publicado por cristina sottomayor

Tudo o que eu escrevo aqui é um misto de vivências minhas e pura ficção. Mas mesmo na ficção, não consigo deixar de ser inspirada por momentos bons ou maus que vivi ou vi acontecerem à minha volta.

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