Inês, Sofia e Margaridinha. Acordaram as três ao som da voz grave do Pai da Sofia:
“-Meninas! Bom dia! Toca a acordar que hoje vai ser um dia de surpresa!”
“-O que é a surpresa Pai?” – perguntou a Sofia com uma voz estremunhada.
“-Vocês têm que vir espreitar à janela… Vamos lá, venham rápido! Espera Sofia, eu levo-te ao colo. Não te quero a andar por aí descalça, ainda tens febre…”
E o Pai pegou na Sofia e apressou as primas dela a saírem da cama.
Quando chegaram à janela, o silêncio instalou-se no quarto. Narizes comprimidos de encontro ao vidro, bocas abertas e olhos esbugalhados!! Estava tudo branco! Parecia que o jardim tinha sido coberto por um cobertor de lã branquinha e muito macio. Como tudo estava bonito e silencioso…
“-Então, que tal vos parece a neve? É ou não é igual à história que eu vos contei do “Cavaleiro que perdeu as cuecas na neve”?”
“-Pois é Pai! Se calhar andam cuecas escondidas debaixo da neve…”
“-Que tola que és Sofia: o Cavaleiro encontrou as dele no final da história, como é que iam aparecer hoje aqui?!” Respondeu-lhe a Margaridinha a rir.
“-Tio, podemos ir brincar com a neve?” Pergunta a Inês…
“Sim, podem. Mas a Sofia tem que ficar ainda na cama, ainda está doente. Vão as duas ao jardim e podem trazer um bocadinho de neve para a vossa prima experimentar.
Agora, toca a vestir e a tomar o Pequeno-almoço! Vá.. Pepe-rápido!!”
Meia hora depois, já a cama de Sofia estava transformada numa cozinha para fazer bolos… de neve. As duas manas iam e vinham do jardim, com as suas mãos pequeninas cheias de neve, que depositavam nas bacias e alguidares de estanho da casinha de bonecas da Sofia. Então a prima, fingia que batia as claras em castelo, juntava-lhes açúcar e farinha e fazia um bolo… líquido!
Numa das viagens vai-vem ao jardim, Margaridinha descobriu um passarinho, tolhido de frio, debaixo da Magnólia. Estava caído, de patinhas para o ar em cima do tapete de neve.
“-Mana, olha um passarinho aqui… Coitadinho, deve ter tropeçado!”
“-Mas os passarinhos não tropeçam, Margarida! Deve estar é cheio de frio!
Vamos leva-lo para a cozinha para ele aquecer!” Disse decidida Inês, uma miúda que parecia sempre ter solução para tudo…
E lá foi o pobre do passarinho quase gelado para a cozinha. As duas arranjaram uma tampa de metal de uma caixa de costura, colocaram cuidadosamente o passarinho lá e poisaram essa maca improvisada em cima do fogão de lenha, para o passarinho “ficar quentinho “.
De seguida foram a correr pelas escadas abaixo e corredores imensos ao quarto de Sofia para lhe transmitirem que agora já não estavam a brincar “aos bolos”, agora iam brincar aos “salvamentos de passarinhos”!
E correram de novo para o jardim, com a devida aprovação de Sofia, para procurarem mais passarinhos enregelados. E encontraram mais um… e correram para a cozinha para o juntar ao primeiro…
E a seguir mais outro, mais outro ainda… e mais três que encontraram todos juntos: “-Deviam ser da mesma família” – concluiu a Margaridinha.
Que azáfama das duas irmãs, que manhã tão ocupada tiveram as duas! E sempre a deixarem a Sofia a par de todas as novidades.
“-Sofia, agora foram três de uma vez! Eram da mesma família pois moravam juntos. Eu até acho que estavam com as patitas dadas uns aos outros… Já estão lá em cima do fogão, ao pé dos outros amigos”- informava a Inês.
“-Vamos lá ver se eles já estão todos bons!”
E correram as duas para a cozinha.
Foi quando deram com a Maria, a cozinheira mal disposta, atarefada com o almoço. Mexia numa panela, destapava uma outra e resmungava com o jardineiro porque lhe tinha trazido uma porcaria de lenha! Fazia muito fumo e ardia rápido demais!
“-Menina Margaridinha e Menina Inesinha! Ainda bem que as apanho às duas! Se quisessem passarinhos assados para o almoço o melhor era tirarem-lhes as tripas e arrancarem-lhes as penas! Assim ninguém os ia conseguia comer!”
“-Assados, os passarinhos que nós salvamos de morrerem gelados?”
“-Maria, o que é que são tripas?”
“-Salvarem os passarinhos??!! Essa tem piada… Mas então se os puseram em cima do fogão muito quente ainda por cima numa chapa de metal? É claro que eles morreram! Passaram de congelados para assados! E tripas é o que todos nós temos dentro da barriga!”
“-Mo.. mo… morreram? MORRERAM??” pergunta assustada a Inês.
“-Sim, morreram, bateram as botas, esticaram o pernil, foram desta para melhor, faleceram, perceberam meninas? Agora raspem daqui para fora que ainda tenho muito que fazer para o almoço!” disse Maria cozinheira, a mal disposta.
As duas irmãs, muito abaladas nem queriam acreditar: os passarinhos tinham ficado assados? Tinham morrido queimados? Nunca mais iam cantar, nem fazer ninhos, nem por ovinhos? Nunca mais iam fazer aqueles cocózitos de duas cores que quando ficavam secos pareciam uma minhoca bebé?
E desataram as duas num choro imenso todo babado e muito ranhoso…
A prima Sofia! Ela tinha de saber o que aconteceu aos pobres dos passarinhos. E lá seguiram elas, desta vez cabisbaixas e chorosas para o quarto da prima.
Ainda tiveram um bom pedaço as três a chorar, até à altura em que a Sofia teve que ir fazer xixi.
A seguir veio o almoço, a sesta e lá para o meio da tarde a brincadeira era tanta que já quase não se lembravam dos passarinhos assados e estorricados.
“-Sabes uma coisa Sofia? Na nossa barriga temos uma tripa. Parece que se tirarmos essa tripa podemos ser comidas, eu não quero nunca tirar a minha tripa! Livra!”