O meu quarto pintado de vermelho!

-“E se pintasse o quarto de vermelho? Já estou farta de branco… sempre branco! Está decidido, vermelho será!”

Escolher a cor foi fácil, mas escolher o TOM da cor é que já tem que se lhe diga:
“-A menina quer vermelho tomate, vermelho carmim, vermelho acastanhado, vermelho rosado, vermelho escuro, vermelho claro, vermelho inferno, vermelho paixão, vermelho sangue, vermelho Paprika, vermelho rosa, vermelho escuro, etc?”
-“Eu só queria vermelho…” mas acabei por escolher o que o Empregado chamou de
‘vermelho carmim’
“- E quer ‘vermelho carmim’ mate ou ‘vermelho carmim’ brilhante?”
Escolhi o mate… imaginei que o brilho a mais me podia ofuscar no meio do meu próprio quarto..
“-E a menina, vai contratar algum pintor para fazer o trabalho?”
Não, que ía ser eu a fazê-lo. Comecei por dize-lo orgulhosa e terminei com um ar um pouco acabrunhado ao constatar a expressão de incredulidade e quase desprezo que o empregado fez…
-“Mas já alguma vez pintou paredes?”
-“Já… IMENSAS vezes! Só que já não me lembro muito bem do que é preciso, pincéis, não é?”
-“Pincéis pequenos, finos, médios e grossos para os cantos e próximo das molduras. Brocha grossa e rolo de pintura acompanhado com um tabuleiro para encher com tinta para ser bem escorrida. Precisa também de um escadote e plástico com pontas adesivas para proteger os móveis e o chão de eventuais pingos que possam cair, luvas de silicone, máscara para a cara e o melhor é levar também uma espécie de bata que aqui vendemos para tapar a sua roupa”
“-Isso tudo? – então seja!”
Por essa altura comecei a vacilar na minha decisão de pintar o meu quarto sózinha… mas foi fugaz, esse pensamento. Estava decidida a fazê-lo e ía fazê-lo!!
Dispensei a capa e a máscara, para quê? Não tencionava sujar-me!
Carro carregado e ainda escandalizada com a conta calada que paguei e com tanta parafrenália “indispensável”, segundo o empregado, lá fui para minha casa, a antiga, a da Rua de Trás.
Arregacei as mangas e meti-me ao trabalho.
Abrir a lata de tinta foi coisa que demorou um bom pedaço e custou-me duas unhas partidas, mesmo junto ao sabugo assim como o par de luvas que ficaram rotas… Um mau começo, as minhas unhas são-me sagradas, fazem metade do trabalho das minhas mãos… são as minhas melhores ferramentas. Comecei por limpar as paredes do quarto, que canseira! Nunca imaginei que só isso custasse tanto…
Seguindo as instruções do
Vendedor, vedei todos os pedaços que não queria pintar de vermelho, incluindo madeiras.
Enchi o tal tabuleiro – que mais parecia a parte de cima de um tanque para lavar roupa – e comecei a pintar a parede a começar por cima, dependurada no meu escadote novo. Para me dar mais jeito, poisei a lata da tinta ‘vermelho carmim’ no primeiro degrau do escadote de quatro andares, aquele que serve de prateleira.
Já tinha pintado uma risca enorme de uns sessenta centímetros, que bem que estava a ficar, tão certinho! Quando o meu telemóvel, no piso O, começa a tocar.
-“Oh não! Logo agora? Toca pra aí que eu estou ocupada a pintar o meu quarto!”
Mas o telemóvel não se calava: triiim, triiim, triiim… e se era alguma coisa importante? Pronto, não aguentei a curiosidade e decidi-me a ir atender o telemóvel que estava em cima de uma almofada do lado direito da minha cama.
Mas, oh meu Deus! O desastre que se passou a seguir até vai ser difícil de contar:
Ao descer os degraus, apressada, falhei o último pois pensava que já era o chão. Ao desequilibrar-me, agarrei-me firmemente ao escadote, que vacilou, estilo tremor de terra 8.9 da escala de Ritcher e lá se foi a voar a lata de tinta ‘vermelho carmim’ para o chão e, pelo caminho, deixou um rasto de tinta vermelha bem espalhado pelo quarto fora e arredores! Até ao lavatório e ao espelho do quarto-de-banho chegaram alguns pingos! Na atrapalhação toda de ainda tentar segurar a lata – que não segurei – dei uns passos atrás e enfiei um dos meus pés, o esquerdo, no tabuleiro cheio de tinta ‘vermelho carmim’ e parti um dos lados do utensílio, vazando a tinta que ainda tinha ficado lá dentro …. Como se eu estivesse a ser muito, mas mesmo muito castigada, quando estava a tentar sacudir o pé esquerdo o mais possível da tinta, ainda pisei com o direito o rolo de plástico para cobrir os móveis e escorreguei fazendo uma espargata forçada (e muito dorida) ficando estatelada no meio do chão, toda eu uma mancha só, de ‘vermelho carmim’ ! Até sentia o sabor da tinta na boca… pudera, tinha o rolo de pintar, a transbordar de tinta, encostado a uma das minhas bochechas!
Socorro! Socorro, gritou o meu cérebro… Isto não me pode ter acontecido!
E o telemóvel a tocar ainda insistentemente… levantei-me muito custosamente do chão e
avancei para ele, para ficar a saber quem tinha sido o culpado disto tudo, deixando um rasto de pegadas vermelhas – do tom ‘carmim’ pelo caminho. Atendi o telemóvel, passando o mesmo automaticamente de preto para manchado de vermelho e por isso nem consegui ver o nome no ecrã, já todo pintado…
-“Sim?”
-“Boa tarde, estou a falar com Cristina Maria…?”
-“Sim, sou eu.
-“Estou a falar da Drogaria Rocha & Almeida, Lda., e fui eu que a atendi hoje de manhã, lembra-se? Tomei a liberdade de lhe telefonar para a informar que, se precisar, eu faço trabalho de pintor fora das minhas horas de trabalho. Se quiser, é só ligar-me para este número, o meu nome é Ruben.”

Inacreditável! Pensei eu, o culpado disto tudo era nem mais nem menos o Ruben-empregado-que-acha-que-as-mulheres-não-sabem-pintar-paredes!
-“Ah.. Olá Ruben… agradeço a sua oferta mas acabei agora mesmo de pintar todo o meu quarto. Ficou muito bom, ainda bem que me aconselhou a tinta mate, senão não teria ficado assim tão bem!
E muito obrigada pelo seu telefonema, sempre que precisar, lembrar-me-ei de si!”

Caramba! Tudo mentira, mas também temos a nossa dignidade! Ainda por cima só o trabalho que tive a limpar a tinta dos sítios indevidos onde tinha ido parar, deixou-me o ego muito lá por baixo, rente ao chão… a esfrega-lo!
Sempre que me lembro disto, parece que ainda sinto o cheiro a diluente, a litros de diluente que usei depois!

Mas finalmente tive o meu quarto pintado de vermelho !

Publicado por cristina sottomayor

Tudo o que eu escrevo aqui é um misto de vivências minhas e pura ficção. Mas mesmo na ficção, não consigo deixar de ser inspirada por momentos bons ou maus que vivi ou vi acontecerem à minha volta.

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