Era uma vez duas irmãs. Uma era boa, outra era má.
A boa, era muito bonita. Usava tranças que a faziam ainda mais menina bonita. Os olhos claros, azuis, iluminavam-se num sorriso, sempre que viam alguém seu conhecido, ou não, pois o seu coração era muito hospitaleiro e acolhedor, mesmo para quem não conhecesse. A impressão que dava era que acordava feliz pelo dia que estava a principiar e se deitava igualmente feliz e agradecida pelo óptimo dia que terminava e em expectativa para o de amanhã. Sensível, feminina, inteligente, ingénua, carinhosa e sempre respeitadora, mesmo com os subalternos de quem viviam rodeadas. Esta irmã boa estava quase sempre contente. Interessada em saber mais e melhor do mundo em que vivia, sobre pessoas, países, guerras, Reis e Rainhas e sobretudo da Natureza, verdadeira paixão dela. Quem se sentasse com ela, podia ter a certeza que a conversa seria interessante, inteligente, instrutiva e motivadora.
Generosa e altruísta na sua postura, não havia quem dela não gostasse.
A irmã má era muito diferente. Apesar de ser bonita, a expressão que sempre trazia estampada na cara era de infeliz, de amargurada e fazia-a parecer feia. Era muito egoísta. Sempre queixosa de tudo e de todos. O mundo era o local mais injusto possível. A irmã dela, a boa, era um entrave para a sua possível felicidade. Não suportava vê-la assim, toda feliz, diariamente. Tudo o que lhe davam era sempre pior – aos olhos da própria – do que davam à sua irmã, a boa. Tinha frequentes crises de choro de pura inveja da sua irmã, que era tão feliz.
-“Mas de que te queixas tu, minha filha?”- perguntava-lhe seu Pai.
-“Meu Pai, que injusto é o Senhor para mim ao fazer-me tal pergunta! Não estou a queixar-me, só acho que a minha irmã tem sempre mais sorte do que eu….”
-“Sorte? O que achas tu que é ter sorte?”
-“Ter sorte é o que a minha irmã tem: tudo é melhor, o que recebe. A roupa que veste fica-lhe sempre melhor do que a mim, os amigos que temos gostam mais dela do que de mim, os seus olhos são mais azuis do que os meus, nunca se cansa quando passeia, nem as pessoas a aborrecem como a mim o fazem….”
-“E tu achas que isso é ter sorte? Cuidado, filha: Deus pode castigar-te por seres assim tão rancorosa. A tua irmã é a melhor amiga que tu alguma vez terás. Prontifica-se sempre para trocar contigo o que tu quiseres, o que tu acabas por escolher… mas nem assim ficas contente! Se persistires nesse teu sentimento tão egoísta para com ela, o mais provável é seres tu a castigada. A felicidade não se atinge por cima da infelicidade de outro. O que tu não gostas, penso eu, é de ver a tua irmã feliz. Faz um bom exame de consciência e verás que o teu coração está amargurado e cheio de inveja da tua irmã. Eu conheço-te bem, minha filha… sei bem o que te incomoda. Ainda vais a tempo de te corrigires, de fazeres par com a tua irmã que te adora. Acredita em mim, filha… só assim poderás ser feliz, ou a ter sorte, como tu dizes..”
E a filha má, depois de ouvir isto, desata num pranto inconsolável, ao sentir-se tão injustiçada! “-Até o meu próprio Pai não me compreende nem me apoia!” dizia ela, entre soluços…
Quando se sentiu a ficar velho e cansado, o Pai da irmã boa e da irmã má chamou-as às duas e disse-lhes:
-“Filhas, quero dar-vos um pequeno tesouro que recebi das mãos do meu Pai, antes de morrer. Está na nossa família já há muitas gerações. É um coração em ouro maciço que se divide em duas metades. São duas metades de uma unidade, não se esqueçam! Essa unidade deverá ser a vossa união. Para o bem e para o mal, vocês são irmãs e deverão ser sempre amigas e apoiarem-se uma à outra. É o que eu quero que este tesouro que agora vos dou represente para as duas…”
A filha boa chorou silenciosamente, ficou comovida e preocupada com o seu Pai.
A filha má, também ficou preocupada, mas com a sua metade do coração que recebeu, pois a que a irmã tinha nas mãos parecia-lhe bem maior do que a sua.. . Quando sairam do quarto de seu Pai, a irmã má pediu à irmã boa para trocarem as suas metades, mas depois acabou por preferir ficar com a que tinha sido a sua desde o príncipio: agora era a que lhe parecia mais pesada!
A irmã boa, aceitou a troca tal como a sua posterior devolução. Para ela as duas partes do coração de ouro eram as duas iguais, mas já estava habituada a este vai-e-vem de coisas que ofereciam às duas. Deixava sempre a irmã má fazer a sua escolha.
Os anos passaram. As duas irmãs casaram. A boa, casou com um homem que a amava por tudo o que ela era e representava. Admirava-lhe a sua beleza, exterior e principalmente a interior. A sua maneira de estar era um orgulho para si, o seu sorriso era o mais bonito e a segurança que ela lhe dava? Um tesouro incalculável! A irmã boa não tinha medo de trabalhar e o seu altruísmo inato era o bem mais valioso deste casal. Viviam o seu casamento serenamente, em confiança, dividindo preocupações e estando sempre juntos na fé em Deus. O seu casamento deu frutos, muitos filhos. Todos educados no exemplo bom dos progenitores, particularmente da sua bondosa Mãe. Filhos bonitos, companheiros desejados e muito amados por todos os que os rodeavam.
A irmã má também casou. Não se percebeu muito bem se foi ela a escolhida pelo noivo ou se foi ela quem escolheu o noivo. Não condiziam um com o outro. A irmã má não ficava bem ao lado de ninguém. Não havia harmonia no casamento deles. A discórdia, o escárnio, a falta de respeito de um pelo outro, os eternos cíumes e o desprezo eram os principais ingredientes deste casal. A irmã má continuava a ser uma infeliz, até do marido se queixava a torto e a direito a quem, desprevenido, ela apanhava disponível para desabafar. Era chata, era aborrecida, era má e tudo acabava na mesma lenga-lenga:
“-A minha irmã é que tem sorte!”
Este casamento também teve os seus frutos, mas com tamanha falta de amor, valores e tranquilidade, os seus filhos cresceram acompanhados de todos os males do mundo, de amargura, de egoísmo extremo, de infelicidades e infidelidades também.
Os seus corações estavam cheios de fel, de pura maldade. Divertiam-se a humilhar os outros, mesmo entre eles. A maledicência, o escárnio pela bondade, o desprezo pelos seus semelhantes fazia parte da sua maneira de ser e estar. Nunca estavam contentes com nada de nada. Nem com ninguém..
Um dia, já há muito tinham perdido o seu Pai, a irmã má, inventando ter muitas saudades dele, pediu à irmã boa que lhe emprestasse a metade do seu coração de ouro. -“Era só por uns dias, só mesmo para me ajudar a evocar a memória de nosso querido e saudoso Pai…”
A irmã boa, bondosa, generosa e ingénua que era, passou-lhe logo para as mãos a sua metade do tesouro que seu Pai lhes tinha deixado, nunca via a maldade e a astúcia nas outras pessoas, muito menos na sua própria irmã!
Passaram-se dias, passaram-se meses e até se passaram alguns anos: o coração de ouro ficou sempre completo, mas na posse da irmã má. Nunca mais foi devolvida a metade que pertencia à irmã boa.
Sempre que a irmã boa se lembrava de o pedir à irmã má, esta inventava as mais variadas desculpas para não ter que devolver nada:
“-Hoje estou com uma terrível dor de cabeça…”
“-Não vês que hoje estou muito ocupada? Vêm cá jantar uns amigos e tenho ainda tudo para preparar…Amanhã entrego-te!”
“-Desculpa mas hoje não pode ser: doi-me muito o dedo mindinho do meu pé esquerdo, por isso tenho que ficar aqui sentada… todo o dia!”
“-Hááá… hoje não vai ser possível, é Sexta-feira 13 e dá muito azar tocar em ouro! Tem paciência que eu devolvo-te a metade do coração amanhã…”
E de desculpa em desculpa foi passando o tempo, demasiado tempo. Até ao dia em que a irmã má decidiu parar com as desculpas e declarou que não ía devolver coisa nenhuma: sempre tinha sido prejudicada em relação à irmã e sentindo-se tão injustiçada, o mínimo que a podia compensar de tanta desdita era ficar com o coração de ouro completo. E ainda assim não chegava para saldar todas as injustiças e desequilíbrios entre as duas, disse ela, a irmã muito má.
E nada mais houve a fazer, a irmã boa ficou sem o tesouro que o Pai lhe tinha oferecido.
Mas o que o Pai delas – no cimo da sua sabedoria que lhe vinha da idade, da sua boa educação e da sua inteligência – tinha dito à sua filha má, acabou por ser uma realidade.
Deus castigou a irmã má com a desavença no seio familiar. Quando ficou velhinha, ninguém da sua família próxima a confortava. Sofria de doenças que a incapacitavam cada vez mais. De nada lhe valeu o tesouro que agora era seu na totalidade, o coração de ouro, pois os filhos, mal o conseguiram apanhar, venderam-no por tuta-e-meia. O valor inestimável que o coração tinha para a família, há gerações, passou a valer uns poucos de trocos que se esfumaram rapidamente nas mãos sanguessugas dos filhos maus.
Por menos que nada, sem pretexto coerente, os filhos maus mandaram a Mãe má para um Lar de Idosos.
A irmã má não tinha quem a acarinhasse e continuando a ser mesquinha, trouxe infelicidade e muitos conflitos com ela, para o Lar. Não tinha remédio… Por outro lado, Deus deu à irmã boa uma boa velhice, rodeada de filhos, noras, genros e muitos netos que a adoravam, providenciando o seu conforto e bem-estar. Isso era o melhor e maior tesouro que esta boa família possuía.
E a irmã boa, com o seu marido bom e os seus filhos bons, sabiam disso e viviam agradecidos pela sua ventura. Sempre numa inabalável fé em Deus.
Maravilha!
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Sempre bom de ler as suas historias. Bj
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