Chegou a semana Santa. Xavier não queria criar muitas expectativas, nem sequer contou a sua Tia a conversa que teve com a Senhora D. Joana. Na verdade, passados os momentos de entusiasmo que aquela boa Senhora lhe proporcionou ao dar-lhe alguma esperança, Xavier voltou a cair em si. Mesmo que as coisas se esclarecessem entre os dois, muito tempo tinha passado, muita mágoa e sofrimento. Xavier não sabia se iria conseguir superar tudo isso. Aquela espécie de castigo que Branquinha lhe tinha imposto sem dó nem piedade e sem sequer ter falado com ele, ainda o sentia cravado no fundo da sua alma. O seu sentido de justiça não o deixava relevar essa grande injustiça. Vezes sem conta tentou descansar a sua Tia, que se achava culpada da separação deles por nada ter contado antes.
– Tia, isso são águas passadas, são coisas que não são nem da minha nem da sua responsabilidade a não ser de António. Por mais que me custe aceitar isso, Branquinha não foi nem justa nem sequer inteligente. Não teve vontade de esclarecer tudo, falando comigo. Penalizou-me por algo que nunca fiz nem sequer sabia ter acontecido, e a si igual. Por mais que eu goste dela, não posso deixar de constatar que não é de uma mulher assim tão preconceituosa que eu preciso nem quero. Só lamento não me ter apercebido a tempo desta sua maneira de pensar. Eu não tenho vergonha nem de si nem da minha vida passada. Sei que lhe devo tudo o que tenho e que algum dia terei. Não casarei nunca com alguém que a recrimine a si ou a mim por termos nascido num meio modesto e de sermos quem somos. Para dizer a verdade, Branquinha é que ficará a perder por não ter uma Senhora como a Tia a fazer parte da família dela, como faria agora se nós nos tivéssemos casado. Tia, eu tenho muito orgulho em si…
E a pobre senhora, já quebrada pela idade e pelos desgostos com que a vida a presenteou, ao ouvir estas palavras de Xavier, do seu querido sobrinho, comoveu-se e em silêncio rezou a oração dos aflitos, pedindo a Nossa Senhora que amparasse este seu menino e lhe desse sempre a sua protecção e continuou silenciosamente a costurar…
Chegou a Semana Santa. Xavier e sua Tia cumpriram todos os costumes Pascoais. Xavier levou-a uns dias a Braga, para assistirem à Procissão do Enterro do Senhor, já muito antiga e que se realizava Sexta-feira Santa, à noite. Dormiram numa Pensão muito bem composta e limpa, onde acabaram por ficar para o almoço de Domingo de Páscoa, convidados pela proprietária, a D. Mercedes. Xavier ficou contente por ter proporcionado a sua Tia essa pequena distração, já o merecia… uma visita ao Santuário do Bom Jesus dos Montes, e a compra de algumas recordações, em dia de Renovação, que é como se chama à Segunda-feira a seguir à Páscoa, fechou com chave de ouro a pequena estadia dos dois em Braga. Regressaram ao Porto, regressaram às suas rotinas, bem tristes por acaso. Aqueles dois parecia que tinham perdido a alegria de viver, sempre tão sérios, tanto a Tia como o sobrinho.
Xavier, embora se esforçasse por não pensar em Branquinha, sabia que seria num destes dias que a Senhora D. Joana Almeida Coutinho falaria com ela. O seu coração acelerava sempre que lhe vinha isso à ideia. Será que já tinham falado? Branquinha tinha-se mostrado, neste último ano, muito decidida e obstinada. Decerto não ía agora ser diferente… Xavier voltou a perder a esperança. Quem lhe dera a ele esquecer-se dela! Tinha que o fazer, desse por onde desse. Passaria a frequentar os Salões de Bailes aos Sábados à noite. Tinha amigos que o faziam e andavam sempre de roda de namoradas. Talvez isso o ajudasse a esquecer…
Passaram-se dois ou três dias e de novo a Tia de Xavier, mais de um ano depois, recebe uma visita de Branquinha. Desta vez vinha acompanhada pela Senhora D. Joana. Ficou espantada, nem sabia que as duas se conheciam.
– Olá minha querida amiga! Já há muito que não a via… – disse D. Joana. – Podemos entrar? Precisamos de conversar, as três….
A Tia assentiu de imediato afastando-se da soleira da porta para as deixar passar. Pediu que se sentassem e ofereceu-lhes chá ou qualquer outra coisa que desejassem.
– Obrigada, minha amiga. Estamos muito bem assim. Sente-se aqui ao pé de nós que Branquinha e eu gostávamos de esclarecer uma coisa consigo.
E as três conversaram durante mais de uma hora.
Branquinha começou por chorar e acabou a rir. No meio, ainda se abraçou à Tia de Xavier a pedir-lhe que a perdoasse! Entrou naquela casa cabisbaixa
e saiu de lá nervosa e quase feliz…
D. Joana, sorria satisfeita e ao despedir-se da Tia, pedindo-lhe então para cumprir com o prometido que era de nada contar a Xavier desta visita, ainda declarou:
– A minha intuição está boa e recomenda-se! Eu sabia que havia aqui qualquer coisa que não estava certa.
Voltaram as duas para a casa dos Almeida Coutinho, na Rua de Cedofeita. Branquinha tinha lá ficado a dormir, quando chegou com a sua anfitriã de Vila Real, já noite escura, no dia anterior.
Branquinha ia alegre e inquieta. Já há muito que não se sentia assim. O seu coração voltou a encher-se de esperança, parecia a Branquinha de outrora! D. Joana regozijava-se de a ver assim, morria de vontade de contar tudo a seu marido!
Abriu-lhes a porta a Maria do Patrocínio, criada fiel e desde pequena a servir esta mesma família. Estava com a sua eterna farda – vestido preto pela altura dos calcanhares, avental com peitilho e touca de folhos brancos a apanhar e a cobrir o seu cabelo ralo que trazia numa trança enrolada no cimo da cabeça. Vinha com a salva de prata, usada para apresentar o correio, estendida com um telegrama urgente endereçado a Branquinha.
– Boa tarde Senhora D. Joaninha, Boa tarde Menina Branquinha. Chegou este telegrama para a Menina, há pouco mais de duas horas.
Branquinha, ligeiramente apreensiva, rasgou rapidamente o envelope e leu o seu conteúdo primeiro para si, logo de seguida em voz alta:
– Pai.muito.mal.stop urgente.voltares.stop.mãe.
– Que teria acontecido? Vou ter que voltar já para Vila Real! São agora meio dia e trinta, se me despachar, acho que ainda consigo apanhar o comboio da uma e meia. Posso contar que o seu Chauffeur me leve à Estação de S. Bento, Senhora D. Joana? O que eu mais queria era ir ter com o Xavier, mas minha Mãe não me assustaria nunca em vão, tenho a certeza que deve ser grave, o estado de meu Pai.
– Claro que sim, minha filha! Poderão entender-se os dois noutra altura. Maria do Patrocínio, vá rápido à Garage avisar o Zé para que tenha o carro pronto daqui a 15 minutos. Volte logo de seguida e ajude a Menina Branquinha a arrumar as suas coisas no quarto. Eu vou mandar a Cozinheira preparar-lhe uma pequena merenda para levar no comboio.
Ainda não tinha chegado a hora dos dois.
Branquinha estava apreensiva com o que se teria passado com o seu Pai. Mas um sentimento que se sobrepunha a todos os outros nesse dia era o medo que sentia de ser agora tarde demais para si e para Xavier. A Senhora D. Joana tinha-lhe explicado como Xavier estava, a grande modificação que tinha sofrido durante este último ano, como se comportava, a apatia dele para qualquer coisa que fosse fora do âmbito do trabalho, a sua comovente dedicação a sua Tia, a sua magreza, a sua tristeza e sobretudo o seu sorriso desaparecido, o seu bonito sorriso.
– Meu Deus! O que fui eu fazer? Como é que eu dei ouvidos a meu Pai que toda a vida enganou minha Mãe? Um Pai que nunca o foi nem para mim nem para o meu irmão…. Tenho medo, meu Deus, tenho muito medo que agora seja tarde demais. Xavier, perdoa-me, perdoa-me e deixa-me chegar a ti, deixa-me tratar bem de ti, deixa-me arrepender-me a teu lado, deixa-me compensar-te, deixa-me abraçar-te, deixa-me ser tua para sempre!
Chegada a casa, soube que o seu Pai tinha aparecido morto nas bermas da estrada que seguia para Espanha. O seu corpo apresentava sinais mais que evidentes de um valente espancamento. Eram inúmeras as fracturas que apresentava. As suas duas mãos estavam atadas com uns trapos sujos e estava caído de bruços quando o encontraram. António provou do seu próprio veneno… O médico que declarou o seu óbito, disse que ele não tinha sucumbido propriamente ao espancamento mas sim a ter passado a noite ao relento, com temperaturas a rondar os zero graus. Morreu de hipotermia, sozinho, cheio de dores e com horas extras, antes do seu final, para pensar em tudo de mal que fez a tanta gente. Ninguém sabia quem teria sido, mas António tinha cada vez mais dívidas que não honrava. Fazia já quatro dias que António não aparecia e, como de costume, todos ignoravam para onde ía e muito menos quando voltava. Mas António nos últimos tempos andava mais nervoso que o normal, parecia até que tinha medo de alguém ou de alguma coisa. Só se mostrava “valentão” quando exigia mais dinheiro a Luisa. Os covardes são assim, temem os mais fortes que eles e vingam-se nos mais fracos e frágeis. Embora impressionados com a crueldade e violência da morte de António, nenhum dos três: sua mulher, filho e filha verteram uma lágrima sequer. Logo que a Polícia o permitiu, foi-lhe feito o enterro. Ninguém compareceu, com excepção dos criados da família, para além dos seus filhos e mulher.
Um triste fim para quem muitas contas tinha a fazer com Deus..
Xavier havia terminado uma das sessões de um julgamento de um caso que tinha em mãos. Saiu do Tribunal de S. João Novo e subiu a Rua das Taipas em direcção à Cordoaria. Dirigia-se ao seu escritório e, como já fazia inconscientemente, passou pela casa onde Branquinha costumava ficar hospedada quando vinha para o Porto. Maquinalmente, como sempre o fez, olhou para as janelas do primeiro andar e o que viu nesse dia sobressaltou-lhe o coração. As portadas estavam todas abertas para trás, e as janelas escancaradas deixavam as finas cortinas agitarem-se num rodopio, para que a casa, há muito encerrada, arejasse os seus mofos acumulados. A casa estava finalmente ocupada! Durante muito tempo Xavier tinha desejado que isso acontecesse, naquele dia, já não sabia se era isso que queria… o tempo também nos perdoa facturas antigas: o que nos parece insuportável num determinado momento, acaba por ser engolido por ele, o tempo, que avança sem parar e acaba por amolecer-nos as nossas mazelas. Xavier, parado no passeio, alheava-se do que acontecia à sua volta. Estava a olhar fixamente para uma das janelas que sabia ser do quarto de Branquinha. No para-peito estavam duas pombas poisadas. Xavier ainda pensou em tocar à porta e pedir para falar com ela. Mas a calma que de repente sentiu não o deixou precipitar-se. E fez o jogo que costumava fazer quando era rapaz novo, deixou que decidissem por ele: se as pombas continuassem ali durante mais dois minutos, Xavier tocaria à porta, se uma ou as duas pombas de lá saíssem, não faria nada. E não foi preciso esperar muito para saber o que fazer, na esquina apareceu uma rapariga que vinha com uma criança de tenra idade pela mão. Trazia enfiado no braço um cesto pequeno de palha cheio de migalhas de pão. Pararam e começaram a lançar os restos de pão seco para o passeio, atraindo assim dezenas de pombas que faziam rir a criança. E as pombas que estavam na janela do quarto de Branquinha esvoaçaram também em busca do alimento oferecido…
Xavier sorriu tristemente e continuou o seu caminho, já tinha obtido a sua resposta…
Não contou a sua Tia que Branquinha estava no Porto. Xavier já tinha reparado que ela andava francamente mais bem disposta nestes últimos dias. Não iria agora estragar nada ao desabafar com ela mais uma vez e entristece-la. Gostava muito de sentir a Tia contente.
No dia seguinte, ainda o relógio da Igreja da Trindade não tinha feito soar as dez horas da manhã, quando Xavier entrou no escritório. Subiu as escadas e sentiu um perfume no ar que lhe fez recordar Branquinha. Que saudades tinha ele desse cheirinho dela! Ainda se lembrava, como se fosse hoje, de quando o sentiu pela primeira vez, na entrada dos Armazéns do Porto… tanta coisa tinha acontecido depois disso… quantos mais degraus ía subindo, mais o perfume se intensificava. Entrou no escritório e lá estava o cheirinho a Branquinha a impregnar todo o ar que se respirava. Que bom, pensava Xavier, que saudades ele tinha! Empurrou a porta do seu gabinete e nesse instante viu Branquinha, de carne e osso, sentada numa das cadeiras junto à sua secretária. Xavier ficou pregado ao chão, não disse uma palavra, limitando-se a olhar para a que tinha sido toda a sua vida, em tempos…
Branquinha estava tão diferente! Xavier percebeu-a ainda mais bonita do que ele se lembrava, parecia-lhe até mais alta e definitivamente mais magra. O seu olhar, que era nesse instante de aflição, demonstrava também o que Xavier nunca lhe tinha notado: maturidade. Tinha nas mãos uma pequena bolsa de seda que torcia nervosamente. Os dois não paravam de se olhar, de conhecer no outro as suas diferenças ao mesmo tempo que iam identificando e reconhecendo o que lhes era há muito familiar.
– Olá Xavier. Podemos conversar? Ou estás com muito trabalho?Tenho que te contar uma coisa, mas posso voltar noutro dia, se quiseres…
– Olá Branquinha. Não, não tenho muito trabalho. Tudo pode esperar pela tarde de hoje. Mas não quero ficar aqui. Vamos dar um passeio, poderás contar-me o que percebo necessitares de me contar com urgência, pois vieste até aqui para isso..
E saíram os dois do escritório. O passeio, enquanto Branquinha contava o que lhe tinha sido relatado por seu Pai, o que tinha ela pensado e o que tinha ela decidido fazer foi crescendo em direcção ao Passeio das Virtudes, outrora um dos recantos que os dois mais gostavam de admirar, no Porto. Xavier ouvia-a calado, nunca a interrompeu. Branquinha estava desconfortável com o seu silêncio, mas continuava a explicar porque teve a atitude que teve.
– Eu pensava que éramos irmãos, tu e eu! Percebes o que isso queria dizer? Para além de ter ficado destroçada, ainda tinha que me debater comigo própria para não pensar em ti como um namorado. Irmãos! Já te deste conta de quanto isso me devastou? Quando a Senhora D. Joana veio falar comigo, depois de já ter falado contigo, percebeu de imediato que isso não deveria corresponder à verdade. Levou-me a visitar a tua Tia. Foi aí que fiquei a saber que Mariazinha, muito enfraquecida e doente de tanta tristeza, tinha dado à luz um bebé já morto e que pouco tempo depois sucumbiu ela ao desgosto e partiu deste mundo. Disse-me então que o que lhe valeu, à tua Tia, foi a tua verdadeira Mãe e de Mariazinha te ter entregue ainda recém-nascido, para te criar, como tinha feito uns vinte anos mais cedo com Mariazinha, tua irmã mais velha…
– Não sei o que será pensar que serias minha irmã, mas sei bem o que pensei e senti quando não compreendi o que te tinha levado a cortar assim tão radicalmente com tudo entre nós. Branquinha, eu gosto que me expliquem as coisas, gosto de saber pelo menos, do que é que me recriminam. Fizeste-me sentir castigado sem saber qual tinha sido o mal que fiz. Compreendo agora que, se isso tivesse sido verdade, era um obstáculo incontornável para nós, mas também compreendo que tudo se poderia ter resolvido se tivéssemos falado. A minha Tia nunca me falou de minha irmã. Eu sempre soube que era um espinho que ela trazia cravado no peito, que falar sobre Mariazinha era cravar-lhe ainda mais esse espinho na carne. Sempre lhe respeitei o seu silêncio em relação a ela. Sei que eram muito amigas. Estou agora a conhecer pormenores, através do que me contas, pela primeira vez. Sem saber quais eram os teus motivos, acabei por pensar que nos achavas indignos da tua condição social, que me repudiavas por essa razão.
– Xavier! Como pudeste pensar tal coisa de mim… mas na verdade, tenho que admitir que agi mal. Acreditei no meu Pai, que me dizia que a tua aproximação e da tua Tia seria apenas à procura de uma qualquer vingança em nome da Mariazinha. Não o devia ter feito nunca, fiquei desvairada, perdi a razão e a objectividade. O que posso fazer para que tu me perdoes?
– Nada. Não podes fazer nada. Estou muito cansado, cansado de sofrer e sinto-me vazio neste momento. Preciso de pensar, de descansar. Lamento, Branquinha, não tenho nada para te dar nem para te dizer, neste momento.
E depois desta conversa, Xavier acompanhou-a a casa e separaram-se tristes e abalados, cada um com a cabeça a fervilhar de pensamentos.
Seria já tarde demais, pensava Xavier? Apesar de se sentir apaziguado, como já há muito não se sentia, não conseguia identificar o que sentia ainda por Branquinha… e o que seria que ela queria agora dele? Alguma vez iria conseguir confiar de novo nela?
Branquinha subiu direita para o seu quarto e abriu a arca de madeira que tinha trazido no dia anterior de Vila Real, juntamente com as suas malas preparadas para uma longa temporada no Porto. Releu as centenas de cartas que tinha recebido de Xavier. Algumas fizeram-na sorrir, outras chorar e outras mesmo ainda conseguiram manter aquela capacidade que tinham de a acalmar… Branquinha não tinha dúvidas, amava ainda mais Xavier, como se isso fosse ainda possível! Por muito que tivesse tentado contrariar esse amor, ele estava ali, bem enraizado dentro de si, para sempre.
Xavier foi para casa mais cedo, não adiantava tentar trabalhar mais, não se conseguia concentrar no processo que tinha à sua frente.
Conversou finalmente com a Tia. Contou-lhe sobre o encontro e a conversa com Branquinha. Conversaram também sobre Mariazinha, como nunca o tinham feito. A sua Tia abriu-se com ele, e esperava que o que agora lhe confiava o pudesse ajudar a decidir bem o que fazer a partir de agora. Gostava de o ajudar a compreender que existem atitudes que pensamos serem as correctas para nós numa certa altura mas que o tempo quase sempre as contradiz. Nesta vida não se pode ser inflexível com as pessoas que amamos, queria que ele olhasse para o exemplo que vinha da atitude que Branquinha tinha tido, ao decidir que não mais se iriam ver. Apesar de ter tido a possibilidade de desfazer o mal-entendido e a calúnia implícita no relato de seu Pai acerca de Mariazinha, foi inflexível e não deu uma oportunidade que fosse ao amor de ambos.
– Xavier, não faças o mesmo… descobre dentro de ti quais são os teus verdadeiros sentimentos por Branquinha. Se ainda a amas, não hesites e não deixes passar nem mais um minuto até lho dizeres e te entenderes com ela. Nós, cristãos que somos, temos a obrigação de não desperdiçarmos as venturas que Deus nos concede. Não penses demasiado! Agarra a vida, meu filho! E se Branquinha continuar a ser para ti a vida que queres e desejas, agarra-a também a ela e não a deixes pensar que já não a amas… O meu coração conhece-te bem, Xavier… Sei bem o quanto a amas!
Xavier abraçou a Tia com carinho, sorriu feliz e perguntou-lhe se ainda podia trazer alguém para jantar com eles hoje, alguém muito importante para ele..
Pouco tempo depois, na verdade passados pouco mais de vinte minutos de Xavier e a Tia terem terminado de conversar, Branquinha estava a receber, pelas mãos de uma criada, um bilhete manuscrito por Xavier, que esperava resposta lá em baixo na entrada de casa. Dizia assim o bilhete:
“Pedi à minha Tia para por um terceiro lugar na nossa mesa, para o jantar de hoje. Disse-lhe que era para ser ocupado por uma pessoa muito importante para mim, a verdadeira dona do meu coração e da minha própria vida, de quem eu nunca mais me quero separar. Queres vir jantar a minha casa?”
Branquinha beijou aquele precioso bilhete e correu feliz e quase voando, para os braços de Xavier.
Tinham sido finalmente desatados os nós que os impediam de serem felizes!
Tiveram os dois aquela preciosa sabedoria para saberem não darem importância a quem lhes tinha feito mal, a quem os magoou. E assim, deixaram que a felicidade os atingisse, tal como as ondas do mar, que nunca são iguais no seu vai-e-vem mas que fazem indubitavelmente parte do mar, que lhe pertencem. Tal como Branquinha e Xavier pertenciam um ao outro.
Fim.