Pedro e Inês – quarta parte.

Quarta parte

Intensificaram-se os trabalhos para o projecto estar terminado e pronto para ser avaliado pela Comissão de Avaliação do Prémio Internacional de Arquitectura e Paisagismo.
A fase de acabamentos, por norma era a que mais se complicava, os imprevistos estavam sempre a surgir e tinham que ser prontamente ultrapassados. Pedro e Inês, formavam uma equipe perfeita para estes momentos de grande pressão. Nada ficava nem ao acaso nem por solucionar.
Mas há imprevistos gigantescos, imprevistos que destroem, em instantes malditos, vidas inteiras. Imprevistos que transformam em mera fumaça os melhores e maiores sonhos.
E as vidas de Pedro e de Inês foram tocadas pela desdita, foram-lhes decepadas pela raiz todas as esperanças que os seus velhos corações se atreveram a voltar a ter. Pedro, mais consciente que amava Inês, Inês ainda a resistir a acreditar no amor que sentia por Pedro.
No início da última semana do prazo para terminarem todos os trabalhos, os dois dirigiram-se, fielmente acompanhados pelo Corisco, a um Concessionário de barcos. Inês tinha decidido comprar um pequeno barco. Não queria que tivesse motor, estragaria o seu refúgio com barulho desnecessário e invasivo. Seria a remos, e assim poderiam dar umas boas remadelas a passear no rio, em nome do exercício físico e em nome também da natureza. Inês até aos seus 18 anos tinha praticado canoagem, no Clube Fluvial da sua terra. Por isso, não seria complicado para ela lidar com um barco a remos.
Inês estava particularmente feliz nesse dia e não parava de tagarelar, como lhe acontecia sempre que alguma coisa a entusiasmava. Contava a Pedro a conversa que tinha tido de manhã bem cedo com a sua filha Rita.
“-Eu nem queria acreditar quando ela me disse! Fiquei sem saber o que dizer, e só pensava que se calhar era engano… quase um minuto depois, consegui perguntar-lhe se tinha a certeza. E a Rita dá uma gargalhada e pergunta porque é que toda a gente lhe faz a mesma pergunta!”
“-Mãe! – disse-me ela – Eu fiz uma ECOGRAFIA! É claro que eu tenho a certeza!! Vai ser Avó de dois netos logo de uma vez. São gémeos, mas falsos. Mãe…. Mãe! Então, não diz nada? Não ficou contente com a notícia?”
“-Pedro, sentia-me palerma de todo, não sabia o que dizer, só pensava como gostava de estar nesse momento ao pé dela, para a abraçar!” E foi então que comecei a chorar baba e ranho, de tal maneira que a Rita ficou preocupadíssima comigo e me tentava acalmar. E eu, continuando no modo-palerma, tentava balbuciar que estava a chorar era de alegria! Nem imaginas a cena… digna de uma boa telenovela! A minha filha vai ter dois bebés! E vão ser os dois meus netos!”
E Pedro extasiado pela alegria que Inês mostrava, sorria, também feliz…
“-Sabes, Inês. Hoje no primeiro momento em que te vi, parecia que vinhas iluminada, percebi de imediato que estavas feliz, inquieta, toda risonha…. o Corisco, que é um cão muito observador, até me deu uma patada e murmurou: “Olha como ela está tão bonita, hoje!”
Não foi Corisco?”
Inês deu uma gargalhada. E esse instante parou para sempre na sua memória. Durante muito tempo, essa frase de Pedro iria martelar-lhe continuamente a sua cabeça, na tentativa de se lembrar do que tinha acontecido. Mas Inês nunca mais conseguiu reconstituir o que tinha realmente provocado o acidente grave que sofreram nesse momento. Só se lembrava dos vários estrondos, dos ruídos agudos de ferro e chapa a serem torcidos e retorcidos, de cheiro a fumo, de objectos a voarem à sua volta à medida que o carro ía dando voltas sobre si mesmo, intermináveis. Inês, na eternidade que alguns segundos maus duram, pensou no seu filho Manel, pensou na sua filha Rita – o que iria ser dela se a perdesse, principalmente agora que ía ser Mãe de gémeos, pensou nos seus Pais, nas saudades que tinha deles e pensou em Pedro.
“-Pedro! Não morras, por favor! Eu amo-te e ainda não me tinha apercebido disso… Eu tenho que te contar que preciso de ti para viver! Pedro, Pedro…. não quero morrer, não quero que morras, quero ficar ao teu lado para sempre!”
E de repente, o silêncio total. Tudo demasiado silencioso… Inês chamou por Pedro:
“-Pedro! Estás bem? PEDRO! Responde-me por favor! Não me consigo mexer, fiquei presa… ajuda-me Pedro, fala comigo, quero ouvir a tua voz! PEDRO! Meu Deus: outra vez não… o meu coração não iria aguentar mais. Toma conta do Pedro, minha Nossa Senhora não o deixes morrer!”
Mas o único som que Inês começou a ouvir foi um leve gemido de Corisco. “-Pedro devia estar inconsciente – pensou Inês – vai acordar já, já e vem ajudar-me… se ao menos eu conseguisse virar a cabeça para o ver! O que é isto que está em cima de mim e não me deixa movimentar?”
Contaram-lhe depois que os Socorros foram rápidos a chegar, que Pedro não dava acordo de si, que estava em estado muito crítico e que Corisco tinha a sua cauda muito mal-tratada.
Inês teve algumas mazelas, mas nada de grave. Ía bem segura com o seu Cinto de Segurança.
Fracturou o perónio da perna direita, quase junto ao tornozelo. Corisco, ficou mal, pois ía solto no banco traseiro. Os médicos Veterinários não conseguiram salvar-lhe a sua bela confusão de cauda preta e branca. Mas estava vivo, era o que importava. Ficou internado por uns dias numa Clínica Veterinária.
Pedro, esteve às portas da morte durante mais de duas semanas. Sempre nos cuidados intensivos, o seu prognóstico era muito reservado. Miguel tinha vindo com o Avô, o Pai de Pedro, mal souberam do acidente, para ficarem junto dele. Inês recusava-se a sair do Hospital sem Pedro. Zézinha, em vão tentava que ela fosse para casa, prometia-lhe trazê-la todos os dias para ela ficar junto de Pedro mas Inês nem queria ouvi-la. Ficaria junto de Pedro, e ponto final na conversa.
Foram dias de muita aflição e desespero para Inês. O seu único suporte era a sua fé. Inês era crente, apesar – ou melhor, por causa mesmo – da morte do seu filho. Depois de muitos momentos de raiva, revolta e incompreensão, Inês finalmente percebeu e interiorizou que o que tinha acontecido a Manel nada tinha a ver com a vontade de Deus. E foi nessa altura, no “seu ponto de viragem” como ela costuma chamar-lhe, que sentiu a consolidação e consequente conforto da sua fé em Deus.

Chegou o dia em que a casa de Inês ía ser visitada pela Comissão da Candidatura ao tal prémio. Inês foi apanhada desprevenida, nem sequer tinha pensado mais nisso. Explicou a Miguel o que era o processo e pediu-lhe para ir receber os elementos da Comissão. Mas Miguel convenceu -a a ir consigo, pois à parte do seu Pai, só Inês poderia fazer as honras devidas ao projecto. E Miguel já tinha falado várias vezes com o seu Pai sobre isso, sabia o quanto entusiasmado ele andava com a construção da casa de Inês e com a candidatura ao Prémio de Arquitectura e Paisagismo. Inês percebeu que devia isso a Pedro. Se ele estivesse bem, iria querer que ela estivesse a seu lado. Ela iria dar o seu melhor para convencer o Júri da beleza, perfeição e auto-sustentável casa projectada por Pedro. E disse a Miguel que iria então com ele, numa cadeira de rodas, para ser mais fácil.
E quando Inês saiu do carro ao chegar à sua casa nova, começou a chorar – iria ter que parar um dia de chorar por tudo e por nada! – de comoção ao perceber que tudo estava pronto e impecável para receber os elementos da Comissão. Tudo como Pedro tinha planeado. A equipe dos trabalhadores tinha-se esmerado a deixar tudo pronto e como Pedro queria. Inês abraçou-os, um a um e agradeceu-lhes em nome dele. No meio daquela situação, Inês ainda conseguiu sorrir ao ver um grupo de matolões todos com lágrimas nos olhos… teria que descrever isso a Pedro, quando ele ficasse bom, ainda se iam rir os dois, juntos, dessa cena insólita. O Ferreira, sempre armado em forte, não conseguia sequer controlar o seu choro que era convulsivo.

Foram dias muito difíceis para todos. Por duas vezes os Médicos chegaram a insinuar a probabilidade de Pedro não passar de uma certa noite, sugerindo que a família e amigos se despedissem dele. E por duas vezes Pedro conseguiu ultrapassar essas duas crises piores. O seu organismo era lutador, sempre inconsciente, mas a tentar sobreviver.
E os dias foram passando, um atrás do outro. E em cada um deles, Pedro ía ficando um bocadinho mais forte. Nos poucos minutos que conseguia passar ao pé de Pedro, Inês fazia das tripas coração para se mostrar alegre para Pedro. Só Deus sabia o que lhe acontecia ao seu coração só de o ver assim tão frágil, a depender de máquinas para respirar e para se alimentar. Tão magrinho que estava a ficar! As horríveis nódoas negras e feridas já estavam a passar. A cicatriz da operação à cabeça ainda estava feia, mas a cara de Pedro já estava a voltar ao normal. Inês pediu para lhe deixarem a ela fazer a barba a Pedro, todos os dias, como ele gostava. Costumava dizer que se sentia mais limpo, depois da barba feita…
“-Pedro, acorda! Vem para ao pé de quem gosta muito de ti…., não nos deixes preocupados assim!…”

(continua)

Publicado por cristina sottomayor

Tudo o que eu escrevo aqui é um misto de vivências minhas e pura ficção. Mas mesmo na ficção, não consigo deixar de ser inspirada por momentos bons ou maus que vivi ou vi acontecerem à minha volta.

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