Pedro e Inês – quinta parte

Quinta parte.

E os dias iam passando e Pedro, embora estável, não acordava. Os médicos diziam:
– “Que não havia nenhuma razão física para não acordar. Todos os exames estavam bons, todas os parâmetros pareciam normais. Mas o cérebro humano é bem mais complexo do que o pouco que nós conhecemos… Pedro podia acordar a qualquer momento, ou não…”
Deixou de depender do ventilador, já conseguia respirar sozinho. As suas feridas estavam saradas. Mas continuava em coma profundo. Não reagia a qualquer estímulo exterior. A incerteza de como tudo terminaria, ou não, era de uma consternação tal para o seu Pai, para o seu filho e para Inês que todos andavam desorientados.
Pedro foi transferido para um outro Hospital. Era privado e mais perto de casa.
Miguel teve imperativamente que voltar para Bergen, arriscando-se a perder um ano se não o fizesse. O seu Avô, instalado em casa de Pedro, ficaria ao pé do filho. Miguel pediu à sua Mãe se podia dar uma ajuda ao seu Avô, pois achava que seria demasiado para ele lidar com tudo sozinho. A ex-mulher de Pedro, uma pessoa muito mal resolvida, aproveitou de imediato a oportunidade para se aproximar dele novamente. Mudou-se de armas e bagagens para uma pequena casa que alugou, perto do Hospital.
A primeira vez que Mafalda, a Mãe de Miguel, foi visitar Pedro, encontrou Inês a fazer-lhe a barba, como já era habitual.
“-Quem é você? Não é enfermeira, se não não estava assim vestida… porque está a mexer no meu marido?”
“-Seu marido? O Pedro? Eu sou amiga dele… sou a Inês…, é a Mãe de Miguel? Ele avisou-me que se calhar ía aparecer por cá. Como está? Desculpe, estou com as mãos todas molhadas, não consigo cumprimenta-la!” – disse muito simpaticamente Inês.
“-E quem lhe deu autorização para esta invasão da privacidade do meu marido?”
Inês, perplexa com a má-vontade e os maus modos de Mafalda, respondeu:
“- Nós somos amigos, era eu que ía com ele no carro quando tivemos o acidente. Tenho estado do lado dele desde o início, o seu filho e o Pai de Pedro nunca se opuseram à minha presença, pelo contrário, sempre me senti bem vinda. Não estou a perceber porque me fala assim…”
“- E eu não estou a perceber porque é que ainda não se foi embora! Não é da família, não tem nada que aqui estar!”
“- Tem toda a razão, não sou mesmo da família…. Bom dia!”
Inês pegou na sua carteira, e apoiada em duas canadianas saiu do quarto. “Parvalhona!” – pensou Inês – “Mas não vou ser eu a discutir contigo! Não tenho a mais pequena pachorra para pessoazinhas como tu…”

A partir desse dia, Inês nunca mais conseguiu visitar Pedro. Informaram-na que havia ordens da família dele para não a deixarem entrar no quarto. No outro Hospital, Inês conhecia o médico que tinha tratado Pedro e ainda tinha o apoio de três enfermeiras, antigas colegas da sua Tia Emília, que tinha sido enfermeira. Neste Hospital, já não conhecia ninguém.
Zézinha, indignada, queria ir falar com o Pai de Pedro. Imediatamente depois de ir ao Hospital pregar um par de estalos naquela mulher!
-” Zézinha, também a achei uma pessoa execrável, mas à parte isso, ela até que tem razão. Eu não sou nada a Pedro. Conhecemos-nos há pouco mais de três meses e somos apenas amigos… até fizemos uma espécie de acordo para não passarmos para nada além disso, da amizade!”
-“Porque não falas com o Miguel? ”
-” Zézinha, minha querida Zézinha: foi o Miguel que pediu à Mãe dele para vir tomar conta do Pai… Queres mesmo que eu lhe ligue a fazer queixinhas dela?!?!?”

E Inês não telefonou a Miguel. Mas tinha Pedro constantemente no seu pensamento, no seu coração. Nada era mais importante para ela do que a recuperação de Pedro. Pedia a Nossa Senhora, todos os dias, que o ajudasse a sair do coma e a voltar a ser o que era dantes. Inês sabia agora muito bem o que sentia por Pedro, mas não sabia o que Pedro sentia por si…
Foi conversando com o Pai de Pedro pelo telefone, sabendo assim notícias dele. Nunca falou da desagradável cena com a ex-mulher, a Mafalda.
Inês vivia inquieta, de coração triste, de novo. As saudades que tinha de Pedro chegavam a assusta-la. Como seria possível sentir a falta de alguém com tamanha violência? Alguém que há uns quatro meses atrás nem sequer conhecia?
Inês pensava e repensava nas conversas que os dois tinham, quase todos os dias. Agora, tarde demais, percebia que tinha havido realmente alguma coisa verdadeiramente especial entre os dois. A cumplicidade entre eles era fora de vulgar. Como é que não tinha pensado nisso dantes? Mas de qualquer maneira era ela que sentia essa afinidade toda. Talvez Pedro a tivesse mesmo só como amiga. Não havia dúvidas que a amizade entre eles era enorme, mas daí até ser amor, pode ir uma grande distância.
“-Meu Deus, não me deixes amar assim tanto alguém, se esse alguém não me ama também igual!”
Finalmente Pedro foi dando sinais de vida. Começou por reagir a estímulos, sempre que lhe faziam fisioterapia. Pouco a pouco recuperava a consciência, mas estava muito fraco ainda. No dia em que ele acordou, foi o seu próprio Pai que ligou a Inês para lhe dar a excelente notícia:
“-Olá Inês, sei que se interessa pelas notícias do meu filho, pois hoje tenho uma boa para lhe dar: o Pedro acordou hoje de manhã, saiu do estado de coma”
“-Que bom! Que boa notícia mesmo… obrigada por me ter ligado. Quando ele estiver capaz de o receber, diga-lhe que eu fico muito contente e lhe mando um beijo, diz-lhe?”
A vontade que Inês tinha de correr para ver Pedro! Se ao menos o Pai dele lho tivesse sugerido… mas Inês tinha a certeza que Pedro, quando estivesse melhor, seria ele o primeiro a procura-la. Agora o mais importante era a sua total recuperação. Soube mais tarde, que a sua convalescença iria ser longa. Não importava, Inês era muito paciente e esperaria o que fosse preciso até que Pedro ficasse bom.
“-Que saudades eu tenho tuas, Pedro…”
Inês, quando a sua perna ficou boa, mudou-se para a sua casa nova e recomeçou os seus trabalhos com madeira. Procurava ocupar o seu tempo o mais possível, numa tentativa vã de distrair o seu pobre coração.
Mas Pedro não procurou Inês. Ela sabia que a sua recuperação estava a correr muitíssimo bem. Já tinha voltado para casa e já dispensava quase toda a ajuda que lhe ofereciam. Mafalda foi a primeira a desaparecer da vila, e não deixou saudades a ninguém, era uma pessoa muito desagradável e muito pouco educada. Passado umas semanas, foi o Pai dele que voltou para casa. Pedro já estava completamente autónomo. Recomeçou mesmo a trabalhar.
Mas nunca procurou Inês e isso magoava-a mais do que tudo. Não compreendia o seu silêncio. Percebia que Pedro não a amava, mas não conseguia compreender que tivesse deixado de ser seu amigo. A sua angústia não a deixava em paz, o seu coração andava sempre triste.
Os cadernos onde escrevia os seus pensamentos para mais tarde os enviar a Rita, eram preenchidos a um bom ritmo. E a esperança de que Pedro a procura-se ía-se esbatendo, dia após dia.
Decidiu então ir ter com a sua filha a Goa. Rita estava já no sexto mês da gravidez e tinha ordens do seu médico para não se levantar da cama. Era muito importante que aguentasse os dois bebés o mais tempo possível, para não terem nenhum problema quando nascessem. Era a sua filha que estava a precisar dela, e ela que também estava a precisar de estar com a filha. Tinha que deixar de pensar em quem a magoava. Durante muito tempo pediu a Nossa Senhora que, se Ela achasse que os dois se merecessem um ao outro, que os juntasse como um verdadeiro casal. Um casal que se amasse, que se respeitasse, que vivesse em cumplicidade, que se divertisse junto e que fizesse felizes as pessoas que os rodeassem. Se isso não tinha acontecido, era porque NS tinha achado que ou ela não o merecia, ou ele não a merecia a ela. Afinal aquela amizade toda tinha sido pura ficção sua. Agora restava a Inês arrancar Pedro do seu coração! Iria fazer-lhe bem afastar-se dali por uns tempos.

E Inês partiu para Goa…

(continua)

Publicado por cristina sottomayor

Tudo o que eu escrevo aqui é um misto de vivências minhas e pura ficção. Mas mesmo na ficção, não consigo deixar de ser inspirada por momentos bons ou maus que vivi ou vi acontecerem à minha volta.

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