Pedro e Inês
sétima (e penúltima, ufa!) parte.
Inês tinha voltado de Goa dois dias antes. Tudo tinha ficado bem, com Rita e os bebés. Dois rapazes, lindos de morrer. Que orgulho teve da sua filha! Uma Mãe-guerreira, era o que ela tinha sido. Inês tinha agora mais aquelas duas pessoas pequeninas para acomodar dentro do seu coração…. que bem que sabia. Já estava com saudades deles, tinha que pensar já numa outra viagem para os visitar. Não aguentaria esperar pela próxima Páscoa, altura em que Rita, marido e filhos viriam a Portugal.
Zézinha tinha tomado bem conta da sua casa, na sua ausência. Foi com imenso prazer que Inês percebeu que as plantas, flores e arbustos do seu jardim estavam muito bem tratados e que tinham crescido bastante. A sua horta estava irreconhecível, ainda estava a dar uns restos de tomates deliciosos, amadurecidos ao sol e havia ainda muita variedade de folhas para saladas. O tempo ainda estava ameno. Na casa da fruta, estavam já armazenados muitos legumes e frutos secos para o Inverno. Tinha batatas, cebolas e alhos para dar e vender!
Inês sabia que este “milagre” da Zézinha dedicada à agricultura não tinha pernas para andar… tinha que saber quem ela tinha contratado. A sua amiga, faria tudo e mais alguma coisa por ela, mas enfiar as mãos na terra, tratar das galinhas, fazer enchidos e conservas, desidratar frutas e legumes era a mesma coisa que condenarem a sua amiga a um verdadeiro Inferno!
Mas que superou as expectativas de Inês, lá isso tinha superado, mesmo para encontrar alguém que tudo fizesse tão bem, dava um trabalhão!
“-Como eu gosto desta minha casinha nova!” – pensava Inês quando estava em cima do pequeno cais a olhar para a casa. Só tinha pena que lhe trouxesse recordações que queria apagar dentro de si. Inês já estava mais conformada, mas continuava muito triste pelo desfecho da sua amizade com Pedro.
“-Meu Deus… que desperdício! Porque me mostraste como deveria ser um verdadeiro relacionamento se não era para ter continuidade? Porque permitiste que me prendesse a alguém que não queria afinal nada comigo? E porque não o arrancas do meu coração? Eu já não sei como o fazer, já tentei de tudo..”
“- Chega de pensar na morte da bezerra! A vida continua… tenho que ser mais optimista. E tenho que começar já a trabalhar, preciso de ocupar a minha cabeça e as minhas mãos!”
Inês ajoelhou-se para apanhar um dos seus brincos que, ao cair da sua orelha, se tinha encaixado numa das ferragens de união do cais de madeira:
“-Que sorte, não caiu à água! Mas como é que agora o vou conseguir tirar daqui?”
E Inês, tentou e tentou apanhar o brinco, com a ajuda de uma tesoura-de-poda que trazia consigo.
E foi nessa posição estranha que uma bola de pêlo preto e branco, sem a sua outrora cauda maravilhosa, a foi apanhar… mil lambidelas e mil ganidelas depois, Inês conseguiu recompor-se e exclamar:
“-Corisco! Que saudades tive tuas, meu cão bonito!”
E foi com o coração aos pulos que Inês se levantou e rodou lentamente sobre si mesma, para olhar para Pedro.
“-Ajuda-me minha NS a conseguir controlar este meu coração, ajuda-me a que ele não perceba o meu estado…” – pediu silenciosamente Inês.
“- Olá Inês. Desculpa o Corisco, não consegui segurá-lo. Acho que ainda antes de eu ter parado o carro ele percebeu onde estava. Voou, literalmente, para fora e foi ao teu encontro. Devia ter saudades…”
A voz de Pedro! Aquela voz tinha o poder de transformar as suas pernas em gelatina… Inês não sabia o que dizer, não sabia o que pensar, e tinha consciência que não estava capaz de dar um passo sequer. Limitou-se a olhar para ele, calada. Pedro estava mais magro e bastante mais pálido do que costumava ser. Tinha, no seu olhar, uma expressão muito diferente da que Inês lhe conhecia, o que era?
Mas como ele estava bonito…
Que vontade de o tocar, de lhe sentir o seu cheirinho…
E ficaram assim os dois, atrapalhados, apenas a olharem um para o outro, sem saberem o que dizer, por uns longos e confrangedores momentos.
Pedro finalmente falou, estendendo um envelope que trazia nas mãos:
“-Só aqui vim para te entregar isto que recebi. Achei que ias gostar de saber que a tua casa ganhou o prémio. Mas tenho que me ir já embora, tenho uma reunião com um Empreiteiro daqui a meia-hora. Espero que esteja tudo em ordem contigo. Correu tudo bem com a tua filha e os gémeos? Olha, lê bem essa carta, pois uma das consequências de ter ganho este prémio é teres algumas visitas à tua propriedade por parte de Faculdades de Arquitectura, é costume acontecer isso. Bem, tenho mesmo que me ir embora… Corisco! Vamos!”
“- Pedro, espera! Que bom teres ganho o prémio! E tu estás bom? Com a Rita correu tudo bem. Sou agora Avó de dois rapazes muito bonitos.” – conseguiu Inês finalmente dizer.
“- Muitos Parabéns, espero que gostes desse teu novo estatuto, o de ser Avó! Adeus, Inês! Anda lá, Corisco, temos que ir!”
E Pedro meteu-se dentro do carro e partiu com o Corisco. Sem olhar uma vez que fosse para trás!
Inês deixou-se cair para o chão e chorou…
“-Que frieza, que insensível ele estava… Pedro, meu querido e meigo amigo Pedro, para onde desapareceste tu?”
E Inês, inconsolável, não parou de chorar durante um bom pedaço.
Pedro, arrancou de imediato o carro para sair o mais depressa possível dali.
-“Espero que gostes desse teu novo estatuto de ser Avó?!?!?!” – não podia ter dito coisa mais estúpida… Apre, que idiota!
Corisco, tu ouviste-me? “Estatuto de ser Avó “?!?
Que diferente ela estava, tiveste mais sorte do que eu pois ela a ti fez-te festa quando te viu, a mim, nem um passo avançou para me cumprimentar! Tão fria, tão insensível! Esta Inês não é a mesma, não a quero assim. A minha Inês era carinhosa, ter-me-ia abraçado com muita alegria, sentir-me-ia bem recebido por ela. Esta não é ela. Tenho mesmo que partir para outra, não quero afundar-me mais ainda. Corisco, mas ela estava tão bonita, que bem lhe ficava aquela camisa que trazia vestida, de cor azul do céu! E o seu cabelo, ainda continua comprido como eu sempre gostei… a que cheirava ela, meu amigo? Consegues explicar-me Corisco?”
E Pedro, angustiado, voltou para casa dele. Tinha inventado aquela história da reunião com o Empreiteiro, para sair o mais rápido possível da frente dela, não sabia como se iria aguentar…”
“-Pelo menos serviu para tirar alguma dúvida que ainda me restasse… Inês não está minimamente interessada em mim, vou ter que viver com isso!”
E cada um por seu lado tentava ocupar-se no trabalho, numa tentativa de se esquecerem mutuamente. Passou o mês de Outubro e o mês de Novembro também . Cruzaram-se umas poucas de vezes, mas o registo dos seus encontros era sempre igual: cada um deles tentava aparentar indiferença e as palavras eram muito escassas. Que estranho parecia como agora comunicavam, comparando com o que eles eram dantes, quando estavam juntos!
Inês, sempre que o via, tinha que parar, mal disfarçando a sua incapacidade para se mexer ou para falar. Era quase como se apanhasse um susto, ficava como que paralisada.
Pedro, parecia mais seguro que Inês, mas era apenas porque a reação dele a estes encontros furtivos era de desaparecer o mais rápido que conseguia. Assim, não se arriscava a mostrar alguma fragilidade ou de dizer algum disparate.
O constrangimento tomou conta dos dois… e parecia ter chegado para ficar.
E chegou a semana do Natal. Pedro tinha um projecto para terminar. Queria cumprir o prazo acordado entre ele e o seu cliente, não gostava de se atrasar. Teria que enviar a sua proposta, já completa, via e-mail, até à meia-noite.
Olhou para o seu telemóvel para ver quem lhe estava a ligar: “Rejeitar/Mafalda”, outra vez?? Que chata! Hoje já era a terceira vez. Pedro encolheu os ombros e deixou o telemóvel tocar.
Quase logo a seguir, batem à porta. Ainda o telemóvel estava a tocar em cima da sua mesa, quando dá de caras com a Mafalda ao abrir a porta.
“-Mafalda? Precisas de alguma coisa, o que estás aqui a fazer?”
E o telefone continuava a tocar…
“-Porque não me atendes o raio do telefone??”
“-Porque não o ouvi!”
E o telefone continuava a tocar…
“-Idiota! Mal agradecido… o trabalho que eu tive a tratar de ti, tudo o que eu perdi para te vir apoiar, isso não conta para ti?”
“-Não, não conta. Sabes bem que não foi por minha vontade que o fizeste, aliás, até acho que te aproveitaste da minha inconsciência para o fazeres e depois cobrares, que é exactamente o que estás a fazer agora. Olha, Mafalda, não tenho tempo agora, não escolheste bem o dia pois tenho um compromisso inadiável. Podes voltar outro dia qualquer para me chateares, ou então nunca mais me apareceres à frente, por favor?”
“- Tens um compromisso inadiável? Aposto que é com aquela mulherzinha que diz que é tua amiga, a Inês, acertei?”
Pedro sentiu que o seu coração falhou, por uns instantes..
“-Tu conheces a Inês? Como?”
“-Eu vi logo que era com ela que andavas metido! Como é possível olhares sequer para ela? Para aquele pãozinho sem sal?”
“-Mafalda! Como é que conheces a Inês?”
“-Conheci-a no Hospital, logo no dia em que cheguei. Aquela besta estava a fazer-te a barba, sem ter autorização da família, quero dizer, do teu Pai e do Miguel. É claro que tive que a colocar no seu devido lugar. Ficou logo desde esse dia proibida de te ir visitar. Os médicos diziam que precisavas de repouso e ela, sinceramente, nem sabia como, nem devia estar a tomar conta de ti, era uma estranha!”
“-Cala-te e ouve-me muito bem, pois eu não vou repetir: o que é que disseste, EXACTAMENTE à Inês nesse dia, o que é que ela te respondeu e o que fizeste depois para ela ser proibida de entrar no Hospital? Aviso-te já que se descobrir que, ou não me contas tudo ou que inventas alguma coisa, vais ter o resto da tua vida para te arrependeres, diariamente!
FALA! JÁ!”
E a cara de Pedro não era mesmo de quem estivesse na brincadeira, ao mesmo tempo que a segurava fortemente por um dos braços.
Mafalda, assustada com o ar ameaçador de Pedro, acabou por lhe contar como tudo tinha acontecido. Como tinha manipulado Miguel e o Avô a assinarem um formulário que, sem eles saberem, proibia qualquer visita a Pedro com excepção deles três. Confessou também ter inventado, para melhor convencer Miguel do mau carácter dela, que Inês tinha discutido com o médico de Pedro, a contestar um dos tratamentos, e na sequência tinha sido expulsa do Hospital por um Segurança.
“-Muito bem – disse Pedro – agora podes ir embora que não te quero ver mais à minha frente!”
Pedro falou primeiro com o Pai, depois com o Miguel. Conseguiu confirmar tudo o que Mafalda lhe tinha contado e ainda ficou a saber que Inês tinha sido incansável para com ele, até ao momento em que “desapareceu”.
Que idiota tinha sido em não ter calculado uma coisa destas! Deveria ter sido óbvio para ele que Mafalda teria forçosamente que fazer estragos deste género!
“-Corisco, tu ouviste isto? Como é possível eu não ter percebido que alguma coisa estava mal contada? Só agora compreendo o que o Miguel queria dizer quando comentou que Inês não se tinha portado lá muito bem… E agora, meu caro amigo, o que é que eu faço? E se já for tarde demais?”
E Corisco, parecendo compreender a angústia do seu Chefe de Matilha, poisou-lhe o focinho num dos joelhos e ficou a olhar para ele, com os olhos cheios de pura compaixão… e vontade de trincar qualquer coisa boa, também..
(continua)